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Emprego sem empreendedorismo: uma espécie em extinção

Por Adiel Ferreira Jr. - Professor de Direito Empresarial da Uninabuco Caxangá e Advogado com expertise em Business Law e Direito Administrativo
Por: 13/07/2020 - 13:57
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Empreendedorismo sempre foi uma palavra muito comum. Seu conceito, entretanto, se tornou mais recorrente desde o surgimento da atividade empresarial como saída para o desemprego. Entre outras causas, podemos citar a recessão de 2014-2016 e a atual crise pelo Covid-19. Mas, ainda que, pelo senso comum, a ideia de “empreendedorismo” esteja ligada ao fato de abrir uma empresa, o termo é mais amplo do que isso.
 
Já faz alguns anos (talvez algumas décadas) que os especialistas em gestão de negócios falam em "empreendedorismo interno" ou “intraempreendedorismo”, no sentido de que, mesmo um profissional contratado, deve ter um comportamento empreendedor, de pensar como se o negócio fosse seu, veja um excelente conceito:
 
“O intraempreendedorismo ou empreendedorismo interno é o conjunto de ações que estimula seu colaborador a agir e pensar como se fosse dono do próprio negócio, com objetivo de trazer mais produtividade, rentabilidade e melhoria nos relacionamentos.” (veja o artigo original aqui)
 
Aliás, essa é a característica que sempre enxerguei nos profissionais que saíram de cargos operacionais até se tornarem líderes ou, até mesmo, executivos de grandes empresas. Apesar disso, ouvia muito daqueles profissionais que viam o emprego apenas como um meio de vida qualquer, que a ideia de intraempreendedorismo era apenas uma teoria para fazer funcionários trabalharem mais – isso sempre com alto grau de sarcasmo e deboche.
 
Assim, naquela época, a ideia de empreendedorismo interno tinha um foco voltado para trabalhadores que queriam "crescer" na empresa, deixando de fora aqueles que apenas queriam alimentar suas famílias e voltar para casa em segurança; sendo o intraempreendedorismo, portanto, uma ideia muito mais propagada em empresas médias e grandes, onde, normalmente, há um plano claro de cargos e salários.
 
Hoje, no entanto, o empreendedorismo é uma característica de quem quer se "manter" no mercado, seja do ponto de vista dos empregados quanto dos empregadores; e esse artigo vai provar que fomentar um espaço de liberdade e criatividade é uma das principais características dos líderes que vão superar a atual crise. Para tanto, vamos analisar alguns dados importantes.
 
 
Os empregos e os pequenos negócios no Brasil
 
Não é novidade que os pequenos negócios são os que mais empregam. Estudos do SEBRAE apontam que essas empresas são responsáveis por empregar mais de 50% (cinquenta por cento) dos profissionais com carteira assinada (veja aqui).
 
Só para se ter uma ideia, no auge da crise econômica da década que se vai (2014-2016) as micro e pequenas empresas (MPEs) conseguiram perder menos funcionários que as médias e grandes e, ao longo da história, vem empregando, em proporção, cada vez mais, como mostra um estudo do SEBRAE/Ministério da Economia sobre criação de postos de trabalho formais.
 
Outro dado importante, paradoxalmente, é que a grande maioria das pequenas empresas (portanto, maiores empregadores) fecham as portas nos primeiros anos de funcionamento. Segundo o estudo da sobrevivência das empresas por parte do SEBRAE, a taxa de mortalidade das MPEs nos primeiros dois anos chega a 50% (veja aqui).
 
Segundo estudo recente da instituição, por conta da atual pandemia, 87% das micro e pequenas empresas sofreram redução de faturamento e, das que procuraram financiamento nos bancos, 84% não conseguiram ou aguardam respostas, aumentando ainda mais a apreensão quanto ao futuro desses negócios (veja a pesquisa aqui).
 
Assim, enquanto as MPEs são as que mais empregam pessoas, também estão entre as que enfrentam um severo risco de fechar nos primeiros anos (ou até meses) de sua constituição. Não se pode esquecer que muitos novos “empresários”, muitas vezes, são funcionários de suas próprias empresas: são pizzaiolos de suas próprias pizzarias, engenheiros de suas obras etc. e as constituíram porque não conseguiram um emprego satisfatório (ou não conseguiram nenhum).
 
O relacionamento entre empregado e empregador numa MPE
 
Para compreender como o profissional e o seu empregador se relacionam, vamos fazer uma pequena comparação: imagine um profissional que trabalha numa grande indústria de alimentos (por exemplo, bolachas). É bem possível que ele chegue a se aposentar e nunca tenha visto o seu empregador de perto, ou o viu pouquíssimas vezes.
 
Entretanto, aquele que é funcionário de uma mercearia (que também venda bolachas), tem contato intenso com seu empregador e tende a participar, ativamente, em decisões de compras, pagamentos, outras contratações etc. Ou seja, duas empresas que trabalham com o mesmo produto, podem ter relacionamentos completamente diferentes entre contratante e contratado.
 
Isto é, considerando que, no momento atual, há mais pessoas trabalhando nas MPEs e que o relacionamento mais próximo entre empregador e empregado é uma característica dos pequenos negócios, podemos constatar que o trabalhador brasileiro, de um modo geral, tem tomado um posto cada vez mais singular na gestão de negócios.
 
Naturalmente, quanto mais próxima é essa relação, mais dependente do empreendedorismo interno o negócio fica, porque, como dito no exemplo acima, a própria conjuntura coloca esse colaborador a exercer uma função equivalente à de um “sócio minoritário” na empresa.
 
E o que empresas e colaboradores podem fazer nesse cenário?
 
Jan Carlzon – em seu livro “A hora da verdade” – descreve como, na economia atual, as empresas se estabelecem em função do cliente, isto é: independentemente do tamanho, para se manterem no mercado, precisam estar cada vez mais preocupadas com o bem-estar do seu consumidor.
 
Assim, as empresas consideradas “antiquadas” (que visam apenas o produto e não o consumidor) necessitam repensar a estrutura hierárquica tradicional (vertical) para uma estrutura mais horizontal. Com isso, precisam incentivar o empreendedorismo nos funcionários da base, já que estes têm um relacionamento direto com o cliente, portanto, estão na “hora da verdade”.
 
Nesse novo cenário, todos os envolvidos devem abrir-se a um outro mindset. Por parte dos empregados, é ter menos a ideia de mero cumpridor de ordens e mais a concepção de um associado, onde todos pensam, criam e se preocupam com mais do que suas tarefas operacionais.
 
Todavia, Jan Carlzon vai dizer que “a iniciativa de tais mudanças deve partir da sala do principal executivo”; isto é, ainda que os funcionários queiram se tornar intraempreendedores, isso não é possível se o líder não se tornar “um visionário, um estrategista, um informante, um professor e um inspirador” (CARLZON, Jan. A Hora da Verdade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2005. p. 19).
 
Podemos concluir que, sobretudo num mundo pós-pandemia – com menos papeis e mais home office; com menos burocracia e mais tecnologia – a figura antiquada do empregador que não delega nenhuma função/decisão, bem como, da figura do empregado sem empreendedorismo são, sem sombra de dúvidas, espécies em extinção.

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