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Violência obstétrica: dor que vai além do corpo

Ela se manifesta de várias formas. Vai desde colocações pejorativas, negligência e recusa de atendimento até procedimentos desnecessários durante o trabalho de parto, como o uso do fórceps
Por: Elaine Guimarães 12/04/2019 - 10:35

A gestação, para algumas mulheres, representa um momento de felicidade e plenitude. Ao longo dos nove meses, as gestantes planejam e sonham com a hora do parto e com a oportunidade de sentir pela primeira vez o filho ou filha. No entanto, nem sempre as coisas se apresentam como esperado.

De acordo com o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo, em 2010, uma em cada quatro mulheres no Brasil foi vítima de violência obstétrica. A nomenclatura faz referências às ações e agressões a parturientes, pré e pós-parto, mulheres que sofreram aborto espontâneo e durante o pré-natal.

A violência obstétrica se manifesta de várias formas. Vai desde colocações pejorativas, negligência e recusa de atendimento até procedimentos desnecessários durante o trabalho de parto, como o uso do fórceps -  instrumento que prende a cabeça do bebê para retirá-lo do útero, podendo causar danos ao crânio da criança e aos músculos do ânus da mãe.

 
 
Às 4h da manhã na década de 1980, Maria*, com 27 anos na época, esperava um táxi para ir à maternidade. Com dores e ao lado da madrinha da filha, que dava sinais da chegada ao mundo, ela andava por uma das vias mais movimentadas da cidade, mas naquele momento carecia de carros. Após a espera, elas conseguiram chegar à unidade particular de saúde. A equipe médica já estava preparada para fazer o parto. Sem a presença do marido, que estava viajando a trabalho, Maria ouviu do médico e da enfermeira que o bebê estava com dificuldades para nascer.

“Eles disseram que minha filha estava ‘colada’ e que seria necessário uma intervenção da enfermeira. Ela teve que ficar em cima de mim e empurrar, com os braços, a minha barriga. Foi na altura da ‘boca’ do estômago. Senti muita dor durante e após o parto, porque minha barriga ficou muito dolorida por um bom tempo” relembra.

Este cenário se repete, mudando apenas as vítimas. Mulheres que muitas vezes acham estes procedimentos normais ou, por desconhecimento sobre o assunto, acabam se calando diante das agressões. A violência obstétrica deixa marcas que vão além da física e duram por muito tempo.

Com seis semanas de gestação, a jornalista e doula Luiza Falcão sofreu um aborto espontâneo. Ela relata que ao chegar na maternidade foi tratada de forma violenta pela obstetra de plantão. “Fui atendida na maternidade que tinha o maior índice de cesarianas da cidade e tratada de forma cruel e violenta pela obstetra de plantão. Esta é a 3ª maior causa de mortalidade materna, ainda assim, a especialista negligenciou o atendimento, minimizou os riscos e afirmou que “se qualquer mulher drogada na rua consegue engravidar, eu também conseguiria”. As dores eram tão fortes que me engoliam por dentro”, expõe.

Três meses após o ocorrido, Luiza estava grávida. O medo a acompanhou por um tempo, por isso, ela e o marido resolveram manter a nova gestação em segredo. "Com 29 semanas descobrimos a diabetes gestacional e a gravidez se tornou de risco. Era o fim dos meus planos de parto A, B e C. Não poderia mais garantir o parto domiciliar, fui abandonada pela minha médica do plano de saúde e os hospitais públicos de referência ao atendimento de gravidezes de risco são famosos pela superlotação e pelo atendimento violento às gestantes", explica.

“Dandara nasceu na terça-feira, em um parto normal hospitalar humanizado depois de um parto domiciliar planejado e acompanhado por uma equipe competente. Fomos respeitadas em todas as nossas escolhas, em todas as recomendações do Ministério da Saúde e da OMS. Fomos acolhidas e amadas”

Regulamentação e como denunciar

No Brasil, não há uma lei federal que classifique violência obstétrica. No entanto, o Conselho Federal de Medicina possui uma resolução que promove a autonomia da mulher na decisão da via de parto. Ou seja, a parturiente escolherá a maneira como gostaria de dar à luz, desde que os direitos constitucionais do bebê sejam respeitados.

A exposição e o relato dos abusos evidenciam as ações errôneas praticadas nas unidades de saúde e endossam a luta feminina. Para formalizar uma denúncia, a vítima de violência obstétrica deve reunir documentos como prontuário médico - fornecido pelo hospital de forma gratuita - cartão da gestante; plano de parto; exames; e contratos e recibos (unidades privadas). Além disso, em alguns casos, é necessário que a mulher relate, por meio de documento escrito, o caso. Munida da documentação e relato, a mulher deve dirigir-se até a ouvidoria do hospital no qual ocorreu o parto, e protocolar a denúncia.

É necessário também que a mulher compareça à Secretaria Estadual de Saúde ou Secretaria Municipal de Saúde, assim como, recorrer ao Ministério da Saúde e Defensoria Pública. Em casos da rede privada de saúde, ela pode dirigir-se à Agência Nacional de Saúde (ANS).

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